Projeto Memorial Botânico
Roberto Burle Marx

Apresentação

É bem conhecida a contribuição paisagística e científica de Roberto Burle Marx. Como profissional dedicado, fez inúmeras expedições botânicas com o intuito de conhecer melhor a riquíssima flora brasileira tão pouco explorada até então.

O Memorial Botânico Roberto Burle Marx tem como objetivo primeiro apresentar a coleção das espécies descobertas por ele através de um museu vivo!

Além de abrigar também um herbário e uma biblioteca, o Memorial deverá expor para o público uma outra coleção do nosso acervo cultural: as artes plásticas de Roberto Burle Marx, a sua obra expressa através de desenhos, pinturas e esculturas tão importante em sua vida.

Como o Sítio Roberto Burle Marx (SRBM) é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), foi apresentada a área do Sombral Margareth Mee, nele situado, para a implantação do projeto.

Faz parte pois do objetivo do projeto, cumprir o seu programa de necessidades respeitando de forma radical o meio ambiente, preservando a paisagem e na medida do possível também a volumetria do Sombral disponibilizado.

Embora o programa exija controle climático específico para algumas coleções como o Herbário e a Reserva Técnica, o projeto deverá fornecer economia energética através de conforto ambiental bioclimático.

Levantamentos

Terreno O terreno é muito acidentado, com grotas, lagos, grandes rochas, apresentando grande declividade conforme planta topográfica com curvas de nível de 5m.

Infraestrutura O sítio é desenvolvido em termos infra estruturais, provido de nascentes represadas para o abastecimento. Poços foram abertos para suprir períodos de grande estiagem. Para facilitar o abastecimento dos lagos foram direcionadas para eles as águas pluviais das encostas locais.

Clima O clima local é quente-úmido, abafado.

Área disponibilizada para a implantação do projeto: Sombral Margareth Mee A área se restringe à atual edificação chamada Sombral Margareth Mee e tem 1050 m2. É uma edificação destinada ao cultivo de determinadas plantas. O seu perímetro e divisórias internas se constitui em paredes e meias paredes que suportam tubos metálicos para sustentar uma cobertura de tela escura própria para a passagem da chuva e filtragem dos raios solares.

Programa de necessidades

A partir das necessidades apresentadas pelo atual diretor do SRBM e da pesquisa feita no Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi dimensionado e desenvolvido o programa nas seguintes funções:

  1. Memorial Botânico: um museu vivo com exposição permanente das plantas introduzidas ao conhecimento científico e/ou paisagístico por Roberto Burle Marx;
  2. Patamar de Informática: locado no pavimento principal do Memorial Botânico, com ampla visão real do mesmo e equipado com quiosques multimídia para o fornecimento de documentação da referida coleção;
  3. Galerias: para exposição permanente das pinturas, desenhos e esculturas de Roberto Burle Marx, como também de suas coleções de medalhas, troféus e placas comemorativas;
  4. Reserva Técnica: para a manutenção do acervo das galerias;
  5. Biblioteca: aberta ao público especializado;
  6. Sala de Projetos;
  7. Herbário composto de:
    1. Herbário, propriamente dito,
    2. Estufa,
    3. Sala de Costura, para montagem dos arquivos e
    4. Sala de Taxonomia;
  8. Quarto para eventual hospedagem;
  9. Sanitários para público, pesquisadores e funcionários;
  10. Cozinha para suporte de pesquisadores e funcionários

Usuários

O programa se destina em parte a pesquisadores e paisagistas e em parte a leigos aficionados às artes e ciências de Burle Marx. As visitas nestes casos são sempre guiadas.

Embora exista projeto para facilitar a visitação, a postura da instituição a respeito é de austeridade: tratamento, digamos assim, espartano para não fomentar um lazer em desarmonia com o local pondo em risco a sua preservação.

Partido de Implantação

- O fato de o Memorial Botânico ser um museu vivo obriga fornecer ao seu acervo condições de sol, sombra, chuva, regas adequadas e acesso de veículos de manutenção para as plantas;

o fato de abrigar acervos frágeis e que exigem cuidados específicos, como o do Herbário e a da Reserva Técnica impõe climatização controlada específica para esses setores;

mas, o fato de se desejar economia energética obriga, para os demais, projeto de conforto ambiental natural e

o fato do SRBM ser tombado, determina que sua paisagem seja preservada.

Todas essas exigências programáticas deram forma à implantação.

O partido adotado foi o de um projeto rastejante, em termos de volumetria, como o Sombral existente. Porém difere deste - que tem paredes longitudinais em contato direto com a terra – devido às precauções necessárias, de segurança contra umidade de todo o programa de necessidades, pela criação da Viela!

Aí, o rastejante se desloca da terra e fica flutuante: em parte muito próximo dela, um degrau, e em parte com a distância de uma viela.

A Viela

A Viela vem a ser um novo caminho, dentro da área disponibilizada (no Sombral existente), com muitas funções vitais para as propostas do projeto:

A sua principal função é descolar a edificação proposta do contato direto com o solo no piso e na lateral - como está o Sombral existente - para o afastamento da umidade, sem alterar a sua volumetria!!

Grandes benefícios resultaram dessa viela: em lugar do contato com o solo, com a umidade local, surge um grande canal de ventilação, também de fluxo pluvial seguro e de trânsito de todas as atividades de uso: acesso de visitantes, de pesquisadores, de funcionários e mesmo de veículos de manutenção (mas, trânsito a ser administrado!).

Também revitaliza o acesso a uma importante região do sítio, a dos lagos. Esta região, está sendo muito valorizada pela atual diretoria através de limpeza e setorização de plantios para enfatizar sua peculiar beleza, com lagos, enormes rochas e relevo abrupto.

E permite uma importante utilização, com segurança, do subsolo da edificação proposta, sem prejuízo de área para o programa: é onde se situa o local técnico específico de climatização controlada de setores do memorial. Também aí é mantido um ambiente saudável, graças à Viela, que permite a respiração do local com ventilação cruzada, muito simples e sem custo.

Enfim, a Viela tem a importantíssima função, preservando a paisagem, o relevo, de contribuir com a contiguidade segura de acesso do pavimento térreo com o terraço da edificação proposta, onde se situa o Memorial Botânico. Possibilitando, assim, um circuito dinâmico independente externo que integra todos os setores até o seu principal programa – o museu vivo - à própria vida do SRBM em termos de visitação, revitalização, manutenção e administração.

Integração da Viela, intrínseca ao projeto, com caminhos existentes do SRBM RAMPAS de acessibilidade e de manutenção interna e externa do projeto proposto

Partido arquitetônico e o meio

A concepção da volumetria e os circuitos de uso da edificação foram regidos pela intenção de seguir os movimentos do terreno, da estrada e dos caminhos existentes, enaltecendo as árvores notáveis do entorno, fazendo deles todos os referencias de níveis e sentido do projeto. Foram deixadas de lado as arquiteturas existentes do sítio, por serem bem heterogêneas. Antes, a preocupação foi mimetizar o terreno, tentar se fazer um pouco invisível, sem, entretanto, perder a força de uma presença, mas ser gentil, impactar sem esmagar, surpreender sem subjugar!

E surgiram as rampas que produzem acessibilidade e reproduzem o relevo por dentro e por fora na edificação e, neste caso, interagindo com o terreno e seus caminhos, dialogando com o Sítio.

A suave declividade das rampas externas e as pequenas angulações na volumetria, produz um curioso efeito de "erro", criando formas "primitivas", como se diz da pintura naif (enorme problema para uma perspectiva a sentimento!!) Essa forte tendência orgânica da intenção do projeto, ao invés de usar a curva, lapidou as arestas da rigidez ortogonal, criando superfícies multifacetadas no plano horizontal e vertical.

A interação com o meio ganha força explícita quando na Fachada Frontal o piso externo "abraça" a árvore 4 como se precisasse dela para não deixar a edificação escorregar morro abaixo.

Outro forte referencial da arquitetura com o meio, é o grande flamboyant (2) servindo de eixo de simetria para a disposição da escada de acesso para o terraço e para a disposição dos canteiros do Memorial. Quando a árvore floresce, suas pétalas caiem sobre os degraus da escada e seus galhos podem ser tocados e vistos de muito perto. A diferença de nível entre o teto de tela preta do Sombral existente, visível na foto, e o piso do terraço projetado é de 35 centímetros mais baixo.

A situação do Memorial Botânico no terraço da edificação o configura cercado, em níveis diferentes, no leste, norte e oeste pelas copas das árvores que o circundam, proporcionando aos usuários um novo contato com elas.

Obs.: Dos pontos de observação significativos, a representação gráfica nas três dimensões, quer dizer, a perspectiva do projeto, é sempre contrariada pela sua forma: na direção do ponto de fuga sempre ocorre o aumento de alguma dimensão do projeto, o que desvirtua o sentido de profundidade e de movimento formal e aí a tal configuração errática, naif, já referida acima.

Partido arquitetônico e clima

A grande preocupação em se criar um espaço seguro - sem umidade, arejado, sem incidência solar na Galeria principal e com luz natural - valorizando a vista local que é para cima do morro, no sentido quase leste, onde se vislumbram as belas muradas da casa de Roberto Burle Marx, todos esses elementos também foram determinantes para o partido arquitetônico.

O projeto se abre como um olho em direção à casa, a sua murada, buscando essa vista. Sem o perigo da incidência solar matinal devido ao relevo e às árvores. A grande abertura da Galeria é protegida da chuva pelo grande beiral próximo - beiral que também serve para que as águas do terraço escoem pela sua borda e sejam conduzidas para os dutos verticais na parte externa dos pilares.

Todo o teto do primeiro pavimento recebe as águas do terraço de Memorial Botânico. Este teto é duplo abrigando canteiros, bolsões de ar e caminhos de águas que se direcionam para fora do interior do pavimento, perfurando a laje no beiral, como foi dito acima, ou perfurando as vigas invertidas através de buzinotes.

O piso do primeiro pavimento, também duplo, é igualmente cuidado, agora para fugir da umidade do solo e, também, conduzir as águas pluviais.

Excluindo a Galeria principal e o Herbário, com soluções específicas, todas as aberturas da Fachada Oeste oferecem como opção, em conexão com outras aberturas opostas, renovação de ar constante, ao nível do piso e abaixo do teto.

Como não houve demanda de climatização, foi projetado para a Galeria principal um sistema de aberturas com ventilação cruzada que funciona como chaminé, ao nível do Patamar de Informática, ao abrigo dos ventos sudoestes, expulsando o ar quente e obrigando a renovação do ar.

Agradecimentos, contribuições e consultas

O projeto feito sob o incentivo e interlocução do Arquiteto Augusto Ivan de Freitas Pinheiro e do Paisagista Robério Dias, atual Diretor do Sítio Roberto Burle Marx, – este, quem me forneceu o programa de necessidades.

Também contribuiu para a elaboração do presente projeto a Dra. Lúcia d'Avila Freire de Carvalho, atual Curadora do Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com a sua generosa disponibilização de informações técnicas sobre o herbário da referida instituição.

Foram consultados os Engenheiros Luís Camarota e Rui Piva.

A todos, meus agradecimentos.

Projeto

Eliane Maria Soares Gomes

Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2002